Ele é gentil, ele é pequeno, ele parou Lionel Messi e ele não quer receber salário vindo de uma offshore

N'Golo Kanté já foi campeão do mundo com a França e ganhou duas Premier Leagues, uma delas com o Chelsea, que o contratou em 2016 e quis pagar-lhe parte do ordenado através de direitos de imagem, sediados num paraíso fiscal - coisa que o internacional francês recusou. "Ele é inflexível: quer, simplesmente, um salário normal", disse um conselheiro do jogador ao clube inglês.

"Il est petit, il est gentil, il a stoppé Léo Messi, mais on sait tous c’est un tricheur, N’Golo Kanté."

Se, por momentos, fechar os olhos e imaginarem esta frase cantarolada em francês, especificamente ao ritmo da canção "Les Champs-Élysées", que Joe Dassin compôs em 1969, ficarão com o cântico mais popularizado pelo último Mundial, conquistado pela França que tinha um pequeno, gentil e tímido jogador a fartar-se de correr no seu meio campo. Caso não tenha bem essa memória na cabeça, segue uma lembrança do que os jogadores da seleção francesa entoaram, em coro, no Stade de France, em Paris, quando lá retornaram com o caneco nas mãos:

Eles inventaram este pequeno cântico, ao que parece, devido a Kanté ser como é: uma pessoa introvertida, envergonhada por natureza e que encontra conforto em poucas palavras. É o futebolista anti-espalhafato, tão simples e eficaz a jogar quanto a existir quando não está em campo. Um tipo humilde e dado a poucas extravagâncias, ou nenhumas, por quem é fácil de nutrir um certo quê de simpatia, pela imagem que passa - é uma pessoa como nós, como todos os jogadores são, mas como o distanciamento e estrelato da profissão, muitas vezes, enganam.

N'Golo Kanté, contudo, é mais especial do que isso.

Nestes tempos em que futebolistas famosos, de vez em quando, veem os nomes a serem misturados com fisco, evasão fiscal, offshores e outros imbróglios legais que, por normal, mexem com direitos de imagem e publicidade para fazerem mexer (para cima) os seus ordenados nos clubes, Kanté fez questão de ser diferente. De acordo com documentos analisados pela "Mediapart", no âmbito da investigação Football Leaks, o médio gaulês exigiu que o Chelsea lhe pagasse o salário sem recorrer a qualquer tipo de paraíso fiscal.

No verão de 2016, terá sido proposto a Kanté que 20% do seu ordenado, cerca de 1,4 milhões de euros anuais, fosse proveniente de direitos de imagem, que seriam pagos através de uma sociedade britânica e de outra, sediada em Jersey, uma ilha situada no Canal da Mancha e que é um paraíso fiscal.

O francês não terá gostado dessa possibilidade e formalizou a aversão um ano e meio depois. "Depois de ler numerosos artigos na imprensa sobre direitos de imagem e investigações fiscais a jogadores e clubes, o N'Golo está cada vez mais preocupado com o facto de que o que foi proposta poder ser questionado pelas autoridades. O N'Golo decidiu que não quer correr riscos", escreveu um conselheiro do jogador, ao Chelsea, não deixando quaisquer dúvidas - "Ele é inflexível: quer, simplesmente, um salário normal".

Em fevereiro de 2017, o jogador e o clube terão chegado a um acordo, por insistência de Kanté, para que esses tais 20% fossem pagos através de uma empresa com sede fiscal no Reino Unido. Uma atitude diferente do internacional francês, mais uma, tendo em conta episódios como o que ficamos a saber em setembro.

Depois de o Chelsea vencer o Cardiff, o francês tinha planeado ir descansar a Paris, onde tem casa, mas o planeamento fê-lo falhar o comboio Eurostar, no horário que tinha em mente. Então, pegou no telemóvel, pesquisou por uma mesquita nas redondezas e visitou-a. Lá dentro, um adepto do Liverpool, nascido numa família quase toda preenchida por adeptos do Arsenal, reconheceu-o e convidou-o para sua casa. E N'golo Kanté aceitou.

O campeão do mundo e ganhador de duas Premier Leagues sentou-se no sofá, conversou alegremente com os presentes, pegou no comando da Playstation para jogar FIFA, assistiu ao "Match of the Day", um popular programa da BBC, sobre futebol, e ainda rasgou o seu sorriso para tirar fotografias com quem quisesse. "Comeu um caril de frango, até bebemos um chá e ganhou-nos a todos no FIFA. É uma pessoa tão humilde, claramente não pensa que está num patamar superior ao teu", resumiu Badlur Rahman Jalil, o adepto que convidou o futebolista, à televisão inglesa.

A cantiga sugere que o pequeno e humilde N'Golo Kanté é, também, um brincalhão - só faltou a parte de ser, igualmente, uma pessoa séria.


FONTE: TribunaExpresso