O estranho caso de Tom Brady

A NFL arranca esta quinta-feira (já madrugada em Portugal) para a sua 100.ª temporada, mas a história, essa, está a ser feita agora, nos nossos dias, pela personificação para a vida real de Benjamin Button. Aos 42 anos, Tom Brady parece mais forte e mais ágil do que nunca e depois de na última época bater o recorde de jogador com mais títulos do Superbowl, seis, resta-lhe agora engrandecer a lenda. E continua a ser favorito a fazê-lo.

Tudo começou num stand de automóveis, em Canton, no estado do Ohio, a 20 de agosto de 1920. Foi lá que se juntaram representantes dos Akron Pros, dos Canton Bulldogs, dos Cleveland Indians e dos Dayton Triangles e se decidiu a formação da American Professional Football Conference. Um mês depois, já várias equipas de outros estados se haviam unido à nova associação.

E foi assim que começou aquilo que hoje podemos chamar de NFL, a maior liga de futebol americano do planeta, a mais importante das ligas de desporto profissional nos Estados Unidos que, entre as inúmeras alterações de formato e fusões, arranca esta quinta-feira para a sua 100.ª temporada.

Das equipas que se reuniram naquele stand de automóveis, nenhuma resta, mas 100 anos merecem uma comemoração a condizer. Ao contrário do que é tradição, a equipa campeã do último ano não estará no primeiro jogo da temporada. Caberá essa honra aos Chicago Bears e aos Green Bay Packers, considerada a rivalidade mais antiga do futebol americano - o primeiro confronto entre ambas as equipas data de 1921.

A história, sabemos todos, deve ser respeitada e festejada e daí o simbolismo de um Bears - Packers. Mas não estará a melhor das histórias a acontecer agora, no nosso tempo, à entrada da 100.ª época, escrita por um senhor chamado Thomas Edward Patrick Brady Jr., nascido há 42 anos em San Mateo, na Califórnia, mas que tem espraiado o seu reinado por terras de Nova Inglaterra?

Quisesse a NFL manter a tradição de começar a época com um alinhamento que incluísse o campeão da época anterior e a história da NFL não sairia envergonhada. Em fevereiro passado, em Atlanta, Tom Brady liderou os New England Patriots ao 6.º título no Superbowl, numa vitória por 13-3 frente aos Los Angeles Rams, naquele que foi o 3.º título em quatro finais nas últimas cinco temporadas para o equipa do estado do Massachusetts.

Para Tom Brady foi também o 6.º título, que faz dele o jogador da história com mais vitórias no Superbowl. E ano após ano, a pergunta que se faz a cada início de época é: quem irá impedir Tom Brady de engrandecer a lenda que já é, por direito próprio?

Aos 42 anos, Tom Brady já poderia estar a gozar a reforma dourada, mas a verdade é que os seus melhores anos estão a acontecer agora. Um estranho caso, como o de Benjamin Button, a personagem de F. Scott Fitzgerald que envelhecia ao contrário.

Mais rápido, mais forte
Melhorar mesmo depois dos 40 não envolve segredos do campo do sobrenatural: Tom Brady é um homem de carne e osso como todos nós, mas com uma disciplina fora do comum. Terá tido também a sorte de há cerca de 15 anos conhecer Alex Guerrero que, mais que seu preparador físico, é uma espécie de guru. Foi com Alex Guerrero que Brady se tornou num monge e uma reportagem da Bleacher Report em 2017 desvendou alguns dos passos que o quarterback deu para tornar o seu corpo numa máquina de resistência. Além de ter começado a meditar e a dar mais importância ao descanso (terá mesmo um pijama especial que ajuda na recuperação do corpo durante o sono), Brady tornou-se praticamente vegan - apenas consome alguma carne nos meses de inverno.

O menu não varia muito - sacrifícios de quem diz querer jogar até aos 45 anos. Brady começa o dia com um batido de leite de amêndoa, proteína, sementes, frutos secos e uma banana. A meio da manhã come uma barra de proteína caseira e depois almoça uma salada com legumes e frango desfiado. Ao jantar, quinoa com vegetais. Completamente fora da sua dieta estão os laticínios, cafeína, açúcares refinados e farinha que não seja integral.

Fora da temporada, Brady continua a exercitar-se seis dias por semana com Guerrero, duas vezes por dia. Quando a época arranca, os treinos passam de bidiários para tridiários.

“Ele está mais forte e mais rápido com a idade”, sublinhou Alex Guerrero na reportagem. Brady, diga-se, nunca foi um quarterback veloz e não é raro, a cada sucesso, surgirem vídeos de um Tom ainda mal saído da adolescência, lento e mais encorpado, durante o combine para o draft de 2000, em que Brady teve de esperar até ao número 199 para ser escolhido - ninguém acreditava que aquele miúdo de corpo pouco firme e desengonçado pudesse tornar-se num quarterback de elite.

Mas não só Tom Brady se tornou naquele que pode ser considerado um dos melhores jogadores em 100 anos de NFL, como parece estar a melhorar os seus índices. Já em julho deste ano, os Patriots divulgaram alguns dados dos testes físicos aos jogadores e Brady correu 40 jardas (mais ou menos 37 metros) em 5,17 segundos, uma marca considerada fraca numa era de quarterbacks super-atléticos, mas impressionante para um jogador que em 2000 tinha feito a mesma distância em 5,28 segundos.

Assim, aos 42 anos, Brady continua a fazer dos Patriots os principais favoritos à vitória no Superbowl LIV, que se vai jogar a 2 de fevereiro, no Hard Rock Stadium de Miami. O primeiro jogo da época pode não ser dele (os Patriots estreiam-se no domingo frente aos Pittsburgh Steelers), mas história continua a ser escrita pela sua mão direita.

Tom e os outros
Sempre candidatos, até quando parecem não o ser - raramente têm os jogadores mais talentosos, mas o plantel é sempre equilibrado -, os Patriots arrancam a temporada com um jogo sempre complicado frente aos Steelers, que partilham com New England o recorde de triunfos no Superbowl (6). Mas o grande rival na conferência AFC parece ser, tal como no último ano, os Kansas City Chiefs, que têm no centro do ataque o MVP da última fase regular, o impressionante Patrick Mahomes, de apenas 23 anos.

Ainda na AFC, curiosidade para saber o que podem fazer os Cleveland Browns, que passaram de chacota da liga para um dos conjuntos mais interessantes da NFL, depois de Odell Beckham Jr. se juntar ao promissor quarterback Baker Mayfield no Ohio. Desde 2002 que os Browns não vão aos playoffs, o mais longo jejum entre as 32 equipas da NFL.

Do outro lado, na conferência NFC, os Los Angeles Rams, finalistas no último ano, voltam a surgir como alvo a abater, tal como os New Orleans Saints, com outro Benjamim Button ao leme, o QB Drew Brees, de 40 anos. Eagles, Packers e Bears também espreitam uma possível ida ao Superbowl.


FONTE: TribunaExpresso